segunda-feira, 22 de setembro de 2008

NOITE

São onze e dezassete de uma noite de sexta-feira. Fim de semana à porta. Não há muito que fazer para a faculdade, o semestre mal começou. Pouso o livro que estudava sobre a mesa, encerro os olhos e deslizo lentamente na cadeira. Inspiro fundo, só para depois soprar levemente o ar dos pulmões. Ouço o pesado e ruidoso silêncio da casa. Agora, vem a pior parte. Aquela em que ganho consciência de mim mesmo, aquela em que uma força desconhecida me puxa para dentro do meu corpo. Estou só. Enclausurado no meu quarto, no meu pequeno mundo, nos meus sentimentos, nas minhas angústias. E não o quero! Do escuro, surge um rosto. Começa por ser uma imagem algo turva, desfocada. Tento fugir dela, esconder-me, corro, corro cada vez mais depressa, o coração acelera, a respiração torna-se ofegante, mas estou preso. E não o quero! Não quero ver, quero que se vá embora, contudo ela insiste em perseguir-me, não me concedendo tréguas, encontrando-me até no canto mais sombrio. Ahahah! Encolhido sobre mim mesmo, agora percebo. Bem lá no fundo, sou eu que não te deixo ir, que não te quero deixar partir. Revivo todos os momentos, cada momento que passámos juntos. A noite em que te conheci, vivo-a constantemente, cada ligeiro pormenor. E não o quero! Relembro. E não o quero! Massacro-me com isto. E não o quero! Não porque guardo qualquer rancor ou mesmo raiva. Não. Seria incapaz. Faço-o, porque quando fecho os olhos ainda te vejo a sorrir para mim, a caminhares em meu encontro, ainda te vejo nos meus braços. E então, um sentimento torturante invade todo o meu corpo e espírito, esmagando-me por completo, fazendo-me sentir perdido, reduzindo-me a uma sombra daquilo que outrora fui. SAUDADE... Um dia, um dia conseguirei libertar-me. Inclusive de mim mesmo!

“Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos magoa,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...”

Pablo Neruda

Carnifex Servorum

1 comentário:

Anónimo disse...

raiva, consciência, medo,desejo... tudo permanente neste belíssimo e sincero texto.

Tudo passa...

Grande Abraço